O fotógrafo
Defícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei. eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa. Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei a minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
fotografei sobre. Foi difícil fotografar sobre.
Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com
Maiakovski - seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mindo faria uma roupa mais justa para
cobrir a sua noiva.
A foto saiu legal.
Manoel de Barros
É fotografar o silêncio que emana de rosto coberto pela mão calejada de um morador do assentamento de sem terras no nordeste das Minas Gerais; registrar a perseverança do pescador ao tentar lutar contra o mar revolto em Saquarema, no Rio de Janeiro, que junto às chuvas das últimas semanas devastou também o cemitério mais antigo da cidade; ou quem sabe uma simples imagem com essência amadora de uma bicicleta encostada em uma árvore no Litoral Norte de São Paulo.