sábado, 27 de outubro de 2012

Coragem Macunaima


Ricardo Gondim

Coragem é uma virtude menos importante. Para ser intrépido ninguém precisa de caráter, basta atrevimento. Muitas vezes o corajoso, ao embarcar em alguma empreitada, necessita desvencilhar-se de certos escrúpulos. O arrojado abre mão da cautela. Na lógica do valente, quanto mais afoito, mais bem sucedido, pois coragem prescinde da prudência – daí os jovens se tornarem tão bons soldados e tão maus motoristas.

Outra característica dos audazes é a pressa. Arriscam-se porque não se dispõem ao longo processo de construir projetos passo a passo -acham melhor arriscar que trabalhar. Sérgio Buarque de Holanda afirmou que o processo de colonização, na verdade exploração, dos trópicos aconteceu pelo empenho do aventureiro e não do imigrante, que deseja construir um novo mundo: “Não se processou, em verdade, por um empreendimento metódico e racional, não emanou de uma vontade construtora e enérgica: fez-se antes com desleixo e certo abandono”. Abandono, marca típica dos corajosos.

A raiz brasileira foi macunaímica – do herói sem caráter. Os puritanos não conseguiram inserir religião ou cultura, embora tenham tentado em Pernambuco e no Rio de Janeiro. Os tipos que desembarcaram no vasto litoral da ilha de Santa Cruz só enxergavam a generosa amplitude da terra, vulnerável ao desvirginamento (estupro). O Brasil se fez com poucos trabalhadores e com atrevidos aos montes. As incursões, que se diziam em nome do progresso nacional, tiveram protagonistas intrépidos – mas sempre restritos à ética da aventura. O Brasil engatinhou por séculos em esboçar uma ética do trabalho. Tais personagens no Brasil colonial só atribuíram valor moral positivo às ações que sentiam ânimo de enfrentar. O atrevimento que alavancou a colônia, depois o império e mais tarde a república, prescindia do tipo trabalhador, que abraça a terra como sua. Eles ficavam mais próximos das qualidades do aventureiro, como detectou Buarque de Holanda: “audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem – tudo, enfim, quanto se relacione com a concepção espaçosa do mundo, característica desse tipo”.

Essa ética do aventureiro fez o caminho inverso dos puritanos na Nova Inglaterra. Por aqui buscava-se a recompensa imediata com o esforço mínimo. Sérgio Buarque notou que nas raízes do Brasil, os protagonistas viam o trabalho árduo, que busca uma existência estável, justa, solidária, como vicioso e desprezível. O historiador chegou a dizer que “na obra da conquista e colonização dos novos mundos coube ao ‘trabalhador’, no sentido aqui compreendido, papel muito limitado, quase nulo… a época predispunha aos gestos e façanhas audaciosos, galardoando bem os homens de grandes vôos”.
“O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho”. Para ser Bandeirante ninguém precisava necessariamente ser decente. Valentia bastava. O projeto colonialista se resumia a violentar nações indígenas com o intuito único de arrancar delas e do solo o máximo de pedra preciosa, de ouro e de prata – e depois voltar para a “civilização” para usufruir, pelo resto da vida, os dividendos da empreitada.

Séculos depois, a situação perdura. Brasileiros continuam engatinhando na ética do trabalho, embora se mantenham arrojados quando vislumbram qualquer chance de riqueza. Disperdiça-se energia em descobrir um “jeitinho” para a prosperidade. O atalho para o sucesso ou o macete para não ter que trabalhar, seduz. Muita água já correu por baixo das pontes desde que retalharam o país em Capitanias Hereditárias. O mundo dos Bandeirantes enfronhados pelos sertões tropicais já não existe. Mas o país continua exposto a vigaristas parecidos com os de outrora. Nos quatro cantos do país sobram espertalhões ávidos em achar um novo filão de esmeraldas.

O meio religioso parece o mais fragilizado. Não faltam pregadores prometendo mundos e fundos. “Quem conseguir a sorte de ver-se apadrinhado pelo Todo Poderoso desfrutará o melhor dos mundos”. Então para que estudar ou trabalhar de sol a sol? Com uma oração forte Deus abre janelas e faz ricos – mais ricos que Salomão. Para que ter um currículo, montado tijolo por tijolo? Basta fé.
Talvez, como aconteceu com Israel no tempo do cativeiro da Babilônia, o Brasil só encontrará o seu caminho depois que bater no fundo do poço. Mas isso não seria bom. Uma enorme crise colocaria em risco o estado democrático e de direito. E nas grandes crises o chão se torna fértil para que surjam novos monstros: ditadores, torturadores, facínoras. Se faz parte do código genético cultural brasileiro querer levar vantagem em tudo, carecemos então de uma nova cultura. Resta continuar resistindo, denunciado e prendendo esses grandes corajosos que ainda povoam o nosso dia a dia – eles têm grande chance de serem corruptos, embusteiros e charlatões.

Soli Deo Gloria
http://www.ricardogondim.com.br/estudos/coragem-macunaimica/

domingo, 21 de outubro de 2012

Las simples cosas


Uno se despide insensiblemente de pequeñas cosas,
Lo mismo que un árbol en tiempos de otoño se quedan sin hojas.
Al fin la tristeza es la muerte lenta de las simples cosas,
Esas cosas simples que quedan doliendo en el corazón.

Uno vuelve siempre a los viejos sitios en que amó la vida,
Y entonces comprende como están de ausentes las cosas queridas.
Por eso muchacho no partas ahora soñando el regreso,
Que el amor es simple, y a las cosas simples las devora el tiempo.

Demorate aquí, en la luz mayor de este mediodía,
Donde encontrarás con el pan al sol la mesa tendida.
Por eso muchacho no partas ahora soñando el regreso,
Que el amor es simple, y a las cosas simples las devora el tiempo.

Mercedes Sosa

sábado, 20 de outubro de 2012

O Céu

 
 
E esses dias uma amiga comentou a minha fixação pelo Céu.
Então percebi meu deslumbre pelo mais alto lugar, vasto ou visto por uma pequena janela, cinzento ou azul como reflexo do mar. Lembrei de onde vem essa paixão pelo céu: Quando era pequeno meu pai, sempre me carregava nos ombros e como qualquer menino nos braços do pai eu me sentia seguro e protegido e não me preocupava em olhar pra frente, curvava meu corpo, aproveitava para mirar o céu da Bahia, e via  como as nuvens me acompanhavam, como os pássaros eram livres (diferente dos que viviam presos nas gaiolas lá de casa) como o céu era azul e limpo, como tudo era tão grande diante da minha pequinês.
O céu me ligava com outros lugares, curioso eu queria saber como era lá longe... Se a estrelas brilhavam com a mesma intensidade...
E uma vez, depois de grande, em Lisboa na casa de um amigo, como se soubesse da minha fixação pelo céu, António bateu na porta do meu quarto e me acordou de madrugada para que eu pudesse ver como as estrelas eram diferentes, tão longe do meu Brasil, sobre o Tejo elas pareciam ter cinco pontas, como as que desenhávamos quando criança, aquilo era tão belo e eu outra vez admirava o céu, como se olhasse para o primeiro amor. Depois disso entendi o "Céu de Lisboa" de Wim Wenders e para mim ver o céu transformou-se, no ato de olhar uma pintura, cada vez que contemplamos, vemos algo novo, uma pipa colorida, um avião que desenha no azul em uma manhã de de comemoração da independência, nos diversos volumes, formatos e objetos que a nuvens podem se transformar quando vistas pelo olho da criatividade.
Tive a oportunidade de ver o céu em muitos lugares, o Céu amarelo de um entardecer no Sul da Argentina, o Céu sob a cordilheira no Chile, visto de dentro de um pátio de uma castelo na Itália, o Céu cinza escondido por prédios da caótica e apaixonante São Paulo,  da larga "rambla" no Uruguai, o céu azul e silencioso da Paraíba,  esse que demora para escurecer do verão espanhol, todos registrados pela minha câmera, mas o que eu não fotografei e que não me esqueço é o céu que olhava, enquanto estava nos ombros do meu pai... o céu de onde vim e para onde vou...
 
O Céu de Lisboa, Filme de Wim Wenders - Trailer
 
Apesar da minha roupa, também sou índio!

domingo, 14 de outubro de 2012

 
 
De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...

Cecília Meireles

Meus sonhos são do tamanho do Céu...


SugestãoSede assim — qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Flor que se cumpre,
sem pergunta.

Onda que se esforça,
por exercício desinteressado.

Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados já frios.

Também como este ar da noite:
sussurrante de silêncios,
cheio de nascimentos e pétalas.

Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E à nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.

À cigarra, queimando-se em música,
ao camelo que mastiga sua longa solidão,
ao pássaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocência para a morte.

Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Não como o resto dos homens.

Cecília Meireles, in 'Mar Absoluto'